Marcelo Semer, juiz de direito em SP e escritor, ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia, autor do romance Certas Canções, escreveu importante artigo sobre a temática que domina bocas irresponsáveis nos dias que antecedem a instalação da ditadura militar de 1964: o pedido de volta da intervenção militar para combater a corrupção. E olha o que ele diz:
Uma das grandes sandices dos saudosistas da ditadura, ou daqueles que evocam a nostalgia do que jamais conheceram, é pregar por “um golpe militar contra a corrupção”. Nessas toscas, porém não ingênuas, chamadas para uma marcha com Deus, família, liberdade e canhões, a ideia se repete com uma irritante constância. Mas um golpe militar jamais será contra a corrução. O golpe é a própria corrupção. Não bastasse o fato de corromper a ideia em si do estado de direito que cede ao estágio da força bruta, e ser, portanto, uma violência contra a democracia, a ditadura por essência se opõe aos princípios mais básicos do combate a qualquer corrupção: transparência e igualdade. Nada disso existe quando o poder é absoluto. Não passa de um mito, construído pelo marketing da mentira e pela estratégia da ocultação, a ideia de que não houve corrupção na ditadura. Pequenas notícias, grandes fortunas. Quantos não foram os empreendedores pró-militares que enriqueceram, enquanto o país se endividava brutalmente? O que não havia na ditadura era liberdade da imprensa para divulgar, nem a de órgãos de controle para averiguar ilícitos. Continuemos nas Notas Curtas.
Uma das grandes sandices dos saudosistas da ditadura, ou daqueles que evocam a nostalgia do que jamais conheceram, é pregar por “um golpe militar contra a corrupção”. Nessas toscas, porém não ingênuas, chamadas para uma marcha com Deus, família, liberdade e canhões, a ideia se repete com uma irritante constância. Mas um golpe militar jamais será contra a corrução. O golpe é a própria corrupção. Não bastasse o fato de corromper a ideia em si do estado de direito que cede ao estágio da força bruta, e ser, portanto, uma violência contra a democracia, a ditadura por essência se opõe aos princípios mais básicos do combate a qualquer corrupção: transparência e igualdade. Nada disso existe quando o poder é absoluto. Não passa de um mito, construído pelo marketing da mentira e pela estratégia da ocultação, a ideia de que não houve corrupção na ditadura. Pequenas notícias, grandes fortunas. Quantos não foram os empreendedores pró-militares que enriqueceram, enquanto o país se endividava brutalmente? O que não havia na ditadura era liberdade da imprensa para divulgar, nem a de órgãos de controle para averiguar ilícitos. Continuemos nas Notas Curtas.
Protegendo os amigos ladrões
A ideia de república pressupõe o controle do poder; a ditadura, ao revés, se baseia no uso do poder como controle. Reportagem recente do jornal O Globo, insuspeito no assunto, porque foi um dos mais persistentes no apoio aos militares, aponta que a Comissão Geral de Investigação criada pela ditadura arquivou inúmeras denúncias contra amigos do regime ao mesmo tempo em que se detinha em vasculhar a vida de seus opositores.
A ideia de república pressupõe o controle do poder; a ditadura, ao revés, se baseia no uso do poder como controle. Reportagem recente do jornal O Globo, insuspeito no assunto, porque foi um dos mais persistentes no apoio aos militares, aponta que a Comissão Geral de Investigação criada pela ditadura arquivou inúmeras denúncias contra amigos do regime ao mesmo tempo em que se detinha em vasculhar a vida de seus opositores.
Perseguindo os adversários
Enquanto arquivos pessoais de Leonel Brizola e João Goulart eram devassados em sucesso pelos investigadores atrelados ao governo, denúncias contra José Sarney e Antônio Carlos Magalhães, por exemplo, foram simplesmente arquivadas sem qualquer tipo de apuração. Os amigos do poder tinham mais que direitos; os inimigos, bem menos do que a lei.
Enquanto arquivos pessoais de Leonel Brizola e João Goulart eram devassados em sucesso pelos investigadores atrelados ao governo, denúncias contra José Sarney e Antônio Carlos Magalhães, por exemplo, foram simplesmente arquivadas sem qualquer tipo de apuração. Os amigos do poder tinham mais que direitos; os inimigos, bem menos do que a lei.
Polícia política
Pode-se encontrar violência, privilégios e obediência pelo medo nos desvãos da nossa ditadura. Mas não uma polícia isenta, um Ministério Público com autonomia ou a plena independência judicial. A promiscuidade entre empresários e membros do regime militar é, aliás, um dos pontos que tem chamado a atenção da Comissão Nacional da Verdade recentemente. Já foram levantados vários apontamentos de visitas de representantes de entidades de industriais a locais de repressão.
Pode-se encontrar violência, privilégios e obediência pelo medo nos desvãos da nossa ditadura. Mas não uma polícia isenta, um Ministério Público com autonomia ou a plena independência judicial. A promiscuidade entre empresários e membros do regime militar é, aliás, um dos pontos que tem chamado a atenção da Comissão Nacional da Verdade recentemente. Já foram levantados vários apontamentos de visitas de representantes de entidades de industriais a locais de repressão.
Centros de tortura
O documentário Cidadão Boilesen, 2009, direção Chaim Litewsky aborda o tema com farto material histórico, relatando o subsídio empresarial para a manutenção de centros de tortura, uma espécie de parceria público privada para uma operação ilegal, ao mesmo tempo no coração e à margem do sistema. Alguns aderiram à promiscuidade como forma de não serem alijados de licitações ou grandes contratos; outros justamente para poder se aproveitar das oportunidades que se abriam com essas ligações escusas, o documentário avoluma dados sobre as conexões entre o grupo do executivo e a Petrobrás.
O documentário Cidadão Boilesen, 2009, direção Chaim Litewsky aborda o tema com farto material histórico, relatando o subsídio empresarial para a manutenção de centros de tortura, uma espécie de parceria público privada para uma operação ilegal, ao mesmo tempo no coração e à margem do sistema. Alguns aderiram à promiscuidade como forma de não serem alijados de licitações ou grandes contratos; outros justamente para poder se aproveitar das oportunidades que se abriam com essas ligações escusas, o documentário avoluma dados sobre as conexões entre o grupo do executivo e a Petrobrás.
Duas décadas de sombras
Com a aproximação do aniversário de cinquenta anos do golpe militar, que mergulhou o país em mais de duas décadas de sombras, proliferam-se manifestações nostálgicas, estimuladas pelo negacionismo de historiadores reacionários. A ditadura, de fato, tinha menos paciência com rebeliões de políticos aliados. E nenhuma tolerância contra os inimigos do regime.
Com a aproximação do aniversário de cinquenta anos do golpe militar, que mergulhou o país em mais de duas décadas de sombras, proliferam-se manifestações nostálgicas, estimuladas pelo negacionismo de historiadores reacionários. A ditadura, de fato, tinha menos paciência com rebeliões de políticos aliados. E nenhuma tolerância contra os inimigos do regime.
Destruindo famílias
Mas daí não resulta qualquer mérito. Ao revés, a intolerância do poder foi devastadora. Muitas famílias acabaram destroçadas. E as marchas que vieram a partir do golpe não desaguaram nem em Deus nem nas liberdades. Apenas espalharam violência. Há quem esteja predestinado a repetir a história como farsa. Mas há muita gente ainda de olho na tragédia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário